Monday, February 26, 2007

Deixar a sombra na margem dos caminhos estreitos requer que os pesadelos se aninham dentro dos pedaços feitos de fogo. Posso dizer que preciso de ter uma nova memória, um festival do mais estranho possível. Luzes com temperaturas optimizadas para encontros sub naturais. Desterro os fragmentos da vida vinda da terra para segurar as chamas da silhueta, e coloco todos os sentimentos no vazio do ar. O coração deixa de ter filamentos de cordilheiras espessas; somente tenho que a levar para a capela para cima do altar onde poderei dar as suas veias ao inferno. Sentir meus braços em volta do cadáver torna o sonho uma cor só, na qual nem sei qual a quantidade de força poderá suster a nossa respiração. Espolio a natureza de mim pela causa, por enevoar uma noite terei vencido o resto das barreiras da matéria. Enrolo dois corpos num, e penetro as campas à minha volta com os pés. Não tenho dó da dor alheia, nem os vasos de flores falsas escapam na fúria de voltar a colocar as coisas no seu devido sítio. Encosto meu ombro na porta da capela, na qual cede facilmente que nos faz rebolar pelo chão. O desequilíbrio dos espíritos parece apoderar-se do espaço. Deixo a Laura no chão e começo a levantar a madeira do estrado, partindo-a com as mãos até fazer o máximo de cruzes possíveis.

Wednesday, January 24, 2007

Ela chama-se Laura. Chama-se não, chamava-se. O sabor das suas lágrimas ainda ecoa pela minha mente e arrepia-me a alma. Ecoa a sua voz maviosa como se fosse um zumbido irritante nos meus ouvidos. Ela costumava apertar-me e abraçar-me com força encostando a cabeça ao meu peito. Dizia-me que eu afastava as energias negativas. Dizia-me que eu lhe dáva conforto. As minhas memórias preferidas dela ainda são levadas numa corrente de pranto até às margens mais recônditas do meu inconsciente. Ficam lá a martelar umas contra as outras como traineiras encalhadas e perdidas, entre dois pedregulhos no mar alto. São como corvos famintos que debicam o meu descanso nocturno até eu perder o sono e a vontade de repousar.
Sinto a garganta seca como se tivesse engolido areia. Não me lembro do que fiz ontem à noite. Não me lembro do que fiz hoje de manhã. Os dias passam por mim. As tardes passam por mim. As noites passam por mim. Cada dia é uma fotocópia do anterior. Tudo é vazio de significado como o léxico de uma língua que não se domina. Começo a ficar assustado comigo próprio. Caminho em direcção a um vórtice de auto-destruíção que se aproxima lentamente. Cinza seria a cor dele, caso eu tivesse um coração.
Neste sítio tudo é desolador e embora tudo esteja diferente, agora, eu sei que está tudo na mesma. Para onde quer que eu olhe, só a vejo a ela. A ela e a uma filha da puta de uma recordação da pessoa que eu costumava ser...

Monday, November 06, 2006

Entreaberto entre planos equidistantes a respiração emerge em soluços, puxado pelo vento de cabelos enlaçados, fechado em masmorras de ferrugem. É verdade que o tempo não volta, mas sempre a questão sufocará os pedaços da dor que a barreira oprime: aonde está o som retalhado?!...Chove, continua a chover, pontos vazios preenchem o ar, abrem-se crateras robustas a cravar a terra, a rasgar o mármore. Cada fragmento fica descoberto com salpicos de pedras afiadas, os ossos estão limados em brilho intenso, até o eco dos impulsos famintos tilintam dentro das Almas cobardes. O perdão dos sinos blasfema contra o sono imortal da pureza da água, num instante de épocas trocadas a ouvir a memória do aroma da terra trespassada, profanada. O coveiro aproxima-se das ossadas e retira um fio de prata da terra. Fica gelado quando olha para a pedra transparente que o fio segura, seus olhos vertem lágrimas de sangue congeladas, enquanto eles esvoaçam em direcção à pedra transparente. O caixão foi violado...

Monday, October 23, 2006

Faz mais de um ano que ela se foi embora. Para sempre. Parecem os sinos que anunciaram a sua partida, aquando numa cama de cetim pérola a vi pela última vez. Estes sinos relembram fantasmas. Tão frágil e seráfica como o anjo que era. Os cabelos da cor de chocolate negro escorridos pelos ombros abaixo e a face tão serena como quando a vi pela primeira vez. Sob o seu peito que costumava ter um hipnotizante ondular musical e gracioso (agora quedo) repousavam as suas delicadas mãos tão níveas frias e perfeitas como se tivessem sido esculpidas a cinzel no mais requintado mármore de Paros. Nos lábios tão fulvos como uma framboesa, um sorriso puro. Não parecia viva mas também não parecia uma estátua de cera num museu de Londres. Parecia que estava a dormir. Mais que isso, parecia que estava dormir e a sonhar. Não há dúvida que fizeram um bom trabalho na funerária.

Saturday, September 16, 2006

Deitado na falésia abro o livro da sorte. Descarto tudo o que tenho das mãos. Pego no tempo para desfolhar páginas atrás de páginas. Rabisco palavras com a mente. Estou abafado entre calhaus, com as pernas pousadas acima do nível da cabeça para poder deixar escorrer o sangue do cansaço. A pele fica enregelada nesse doce pingar. Passo os segundos a relembrar pigmentos do passado, enquanto o vento sobe na minha direcção e leva o meu cabelo. Espalha-se numa dança pelo ar. A paz da leveza de brincar com os raios de sol adorna a natureza com aquele sopro. Tudo acompanhado pelo som do repicar dos sinos que se ouve lá em baixo, na aldeia.

Wednesday, September 13, 2006

Plim!