Monday, November 06, 2006

Entreaberto entre planos equidistantes a respiração emerge em soluços, puxado pelo vento de cabelos enlaçados, fechado em masmorras de ferrugem. É verdade que o tempo não volta, mas sempre a questão sufocará os pedaços da dor que a barreira oprime: aonde está o som retalhado?!...Chove, continua a chover, pontos vazios preenchem o ar, abrem-se crateras robustas a cravar a terra, a rasgar o mármore. Cada fragmento fica descoberto com salpicos de pedras afiadas, os ossos estão limados em brilho intenso, até o eco dos impulsos famintos tilintam dentro das Almas cobardes. O perdão dos sinos blasfema contra o sono imortal da pureza da água, num instante de épocas trocadas a ouvir a memória do aroma da terra trespassada, profanada. O coveiro aproxima-se das ossadas e retira um fio de prata da terra. Fica gelado quando olha para a pedra transparente que o fio segura, seus olhos vertem lágrimas de sangue congeladas, enquanto eles esvoaçam em direcção à pedra transparente. O caixão foi violado...

Monday, October 23, 2006

Faz mais de um ano que ela se foi embora. Para sempre. Parecem os sinos que anunciaram a sua partida, aquando numa cama de cetim pérola a vi pela última vez. Estes sinos relembram fantasmas. Tão frágil e seráfica como o anjo que era. Os cabelos da cor de chocolate negro escorridos pelos ombros abaixo e a face tão serena como quando a vi pela primeira vez. Sob o seu peito que costumava ter um hipnotizante ondular musical e gracioso (agora quedo) repousavam as suas delicadas mãos tão níveas frias e perfeitas como se tivessem sido esculpidas a cinzel no mais requintado mármore de Paros. Nos lábios tão fulvos como uma framboesa, um sorriso puro. Não parecia viva mas também não parecia uma estátua de cera num museu de Londres. Parecia que estava a dormir. Mais que isso, parecia que estava dormir e a sonhar. Não há dúvida que fizeram um bom trabalho na funerária.

Saturday, September 16, 2006

Deitado na falésia abro o livro da sorte. Descarto tudo o que tenho das mãos. Pego no tempo para desfolhar páginas atrás de páginas. Rabisco palavras com a mente. Estou abafado entre calhaus, com as pernas pousadas acima do nível da cabeça para poder deixar escorrer o sangue do cansaço. A pele fica enregelada nesse doce pingar. Passo os segundos a relembrar pigmentos do passado, enquanto o vento sobe na minha direcção e leva o meu cabelo. Espalha-se numa dança pelo ar. A paz da leveza de brincar com os raios de sol adorna a natureza com aquele sopro. Tudo acompanhado pelo som do repicar dos sinos que se ouve lá em baixo, na aldeia.

Wednesday, September 13, 2006

Plim!